Hell's 500 - The Magic Bench

26/12/2017

CAPÍTULO I - A GÉNESE DA AVENTURA (ou abordagem retrospectiva e cronológica aos factos, na tentativa de analisar a génese e o desenvolvimento de ideias absurdas no cérebro de adultos do sexo masculino de meia idade, que não devem ter tido uma infância que lhes chegasse)

Para ficar de memória para as gerações vindouras (e para os meus filhos, que me receberam sem qualquer entusiasmo quando ceguei a casa cambaleante, após ter feito 500 kms seguidos de bicicleta pela 1ª vez), e para não ter de estar sempre a repetir as mesmas histórias a que me perguntar, aqui fica a descrição do dia em que o meu coração bateu mais vezes (mais precisamente 148.800 vezes, a uma média de 124bpm durante 20 horas, mais uns pozinhos nas outras 6 de descanso). 

Quem não tiver muita paciência para ler isto tudo, passe logo para o final. Estou a escrever isto 12 horas depois de ter concluído a aventura e acho que o cérebro só vai recuperar totalmente com o avançar da história.

Para o Joaquim Manel, camionista de longo curso desde os 16 anos, Portista desde o dia em que nasceu, esta era só mais uma noite de trabalho. Transportava uma carga de couves galegas para Coimbra e mais uma vez tinha aproveitado a noite para fazer a viagem, pois a esta hora, não há condutores de domingo nas estradas e os camiões reinam no asfalto. Noite escura e fria comó Catano, mas na cabine, ao som da Ana Malhoa, não há frio que resista. Só o nevoeiro é que teima em complicar a viagem.
- Raios! Onde é que está o carago do pano? Lá tenho de limpar o vidro outra vez!
O desembaciador dos vidros devia estar meio avariado e volta e meia tinha de limpar o para-brisas à mão, para ver alguma coisa. E foi no meio de uma dessas operações, lá pelas 3 e meia da manhã, que vislumbrou umas luzinhas vermelhas à frente, apenas tendo tempo para guinar o volante para a esquerda e fazer uma razia monumental a dois ciclistas que subiam lentamente uma das muitas subidas sem berma da estrada.
- Carago!!! Ele há gajos muita estúpidos! Queriam era dois murros nas trombas! Onde é que já se viu alguém a pedalar a estas horas com um tempo destes?! Estão 2 graus negativos.....fosgassse! Deviam era ser presos!
E por muito que o Joaquim Manel desse voltas e mais voltas à imaginação, não conseguia encontrar razões que justificassem tamanha estupidez!

Eu preferia não ter de lhe explicar, mas se o tivesse de fazer, talvez fosse desta maneira:
...
Bem...
...
... Se tudo correr de acordo como é esperado, só tens uma vida. E se normalmente se vive até aos 80 anos, aos 40 começas a ficar na última metade. E por isso, quando já tens 43, é bom que te despaches a fazer as aventuras com que sonhavas quando eras novo e lias os Romances do Júlio Verne, ou então esquece, que daqui a uns anos aparecem as cruzes e os bicos de papagaio, certo?
Assim, toca a preparar uma aventura. De bicicleta, claro, que é o que tenho mais à mão. 


A época do Natal e do Ano Novo é especial para os ciclistas porque existe o Rapha500 (o Joaquim camionista não sabe o que é, mas adiante). Já há dois anos que o faço, mas da maneira mais fácil: várias voltinhas com os amigos e ao final de umas quantas, chegas lá. Mas este ano não vou cá estar nestes dias (porque a vida não é só ciclismo e homem que se preze tem outras paixões, como viajar com a família e ganhar pontos para poder fazer outras aventuras destas), e a Jackie Joyner (a minha bicicleta preta das corridas) não vai poder ir viajar comigo. Assim, estou out do Rapha500. Mas isto não vai ficar assim, vou fazer algo em grande (épico, como gostamos de chamar) e pode ser que convença os gajos da Rapha a darem-me o selinho...


Então vejamos o que posso fazer para terminar o ano em grande....

1. Lembrei-me do José Carlos Martins, que há dois anos (29.12.2015) fez o Rapha500 de uma assentada. Partiu cedo e foi para os lados de Castelo Branco. Lembro-me de o estar a seguir pelo Livetrack e de imaginar como seria pedalar à noite, sozinho e já cansado, e de jurar à minha querida mulher que nunca iria fazer nada assim. E acho que não fiz figas....
https://www.strava.com/activities/459336113

2. Lembrei-me do Velopata, e da sua amaldiçoada Odisseia Algarviana, que não me sai da cabeça.
https://www.facebook.com/hashtag/odisseiaalgarvia2017?source=feed_text&story_id=337367936730962
São 500 kms pelas fronteiras dos algarves, rodopiando no sentido inverso aos ponteiros do relógio e para mim.Velopata: se há terceira não for de vez, é pedir à UCI para alterar o percurso e excluir a passagem pela figueira. Ou isso, ou abrir lá uma oficina de bicicletas e mandar acolchoar todas as estradas da zona por onde a odisseia vai passar.Mas a odisseia estava fora de questão: É uma grande viagem para o algarve e implica outra logística. Fica em princípio para fazer no dia 31 de Março de 2018 (que por acaso é sábado) e prestar uma bonita homenagem a um grande senhor do ultraciclismo, pai da TCR, no 1º aniversário da sua morte. RIP Mike Hall.
Vamos nessa, Velopata? (já me estou a tramar outra vez...)Então tinha de ser uma volta de 500 kms (no mínimo...e no máximo), de seguida (sem dormir) e a partir de Lisboa ou do Barreiro. E ir aonde? (por que tem que haver uma razão especial para um gajo fazer tantos kms, ou não?).

3. Há um local lendário, lá para os lados de Aveiro, que dizem que até é mágico....Noca Ramos, conheces o Magic Bench?
https://www.facebook.com/noca.ramos/media_set?set=a.10205612313043217.1073741850.1115181253&type=3E agora, ir sozinho ou acompanhado? Com amigos, claro. E se ninguém quiser vir comigo é porque é uma ideia mesmo estúpida e então não vou... Ou então vou e mostro-lhes que não é assim tão estúpida... Ou então vou e sou estúpido...


-Malta, como não vou cá estar no Rapha500, alguém que vir comigo uns dias antes?
Talvez seja uma ideia parva, com este frio e nesta altura. E claro que ninguém quis sequer pensar nisso.
O João Pinto disse logo que não queria sequer pensar nisso. - Eu vou!
O André Alves ainda quis pensar nisso, mas também não pensou o suficiente. - Eu também!
E o Carlos Borrego também não pensou muito. - Epá, muda a data para uns dias mais tarde, que eu também quero ir.

Mas por muitas voltas que desse a data tinha mesmo de ser esta e não havia como mudar...era apenas uma voltinha rápida enquanto a Querida Esposa se distraía entre os preparativos de natal, uma frigideira de filhoses e uma ida ao cabeleireiro.Então se é para ir, e agora que já está tudo combinado, toca a dar a notícia lá em casa.
O que vale é que tenho uma família que compreende que a realização pessoal de um pai não passa apenas por trabalhar afincadamente, trazer comida para a mesa e por passar os serões em família.
Sim, a família quer um pai feliz, e esforça-se para garantir que um pai que trabalha e que não deixa que nada falte, tenha tempo para dedicar ao seu pequeno hobbie.
Mas infelizmente, para esta família que tudo tem para levar uma vida sem preocupações, o hobbie do pai não é fazer puzzles, nem o seu grande desafio é fazer um puzzle de 5000 peças numa noite. O seu hobbie são o raio das bicicletas e o seu desafio é fazer 500 kms de bicicleta no pico do inverno, de noite, à chuva e ao frio, por estradas cheias de enlatados com pressa para chegar às aldeias onde vão passar o natal, quentinhos à lareira.
- Não vais, és maluco!
- Porquê?
- Porque é perigoso, claro! Ainda te acontece alguma coisa. Ficas doente e estragas a nossa viagem de ano novo!
- Não fico. Eu tenho roupa boa e não vou ter frio!
- Ainda ficas debaixo de um camião e depois não saberia viver sem ti! (a 2ª parte ela não disse, mas, no fundo, deve ter pensado)
- Não te preocupes, nós levamos muitas luzes e vamos bem seguros. Até comprei luzes novas (não disse o preço)!
- Vou ficar muito chateada, se fores.
Esta é a jogada suja, com que a Querida Esposa termina todas as conversas. Na ausência de argumentos válidos e ao ver que não as suas preocupações não tinham qualquer fundamento (como se poderá comprovar quando eu finalmente contar a história), a Querida Esposa lança a sua derradeira cartada.
Noites se seguiram em que adormecer não foi fácil, pois os raios dos sentimentos lutavam dentro de mim (e devia ser à moda da idade média, com espadas e escudos, pois o barulho era ensurdecedor).
Claro que era uma viagem perigosa, claro que não podia garantir que tudo ia correr bem, mas não ir era igual a ficar enroladinho numa manta, no sofá, a sonhar com o que via nos filmes da Transcontinental Race.

E num desses momentos de insónia, quando os sentimentos da frente Pessimista dizimavam o exercito da frente Optimista à machadada, abro o facebook e nem de propósito: Uma crónica do grande comendador da ordem dos ultraciclistas portugueses (ele mesmo, o Mário Fonseca) a propósito da questão dos medos (dos nossos e dos outros).
https://www.facebook.com/SuperMarioFonseca/posts/1614073861983432
Percebem agora porque fui? Claro que sim! Imprimi essa mesma crónica num papel todo bonito e mostrei à Querida Esposa, tudo orgulhoso de ter descoberto a chave para a harmonia familiar. A Querida Esposa mal passou os olhos pelo papel e ao ver que não era uma declaração de renúncia a uma vida plena e feliz em prol da felicidade conjugal, mandou-me passear, a mim e ao autor da crónica...
E eu fui! Mas com o João Pinto. Infelizmente, o André Alves teve um problema familiar (espero que esteja tudo melhor) e o Carlos Borrego trabalhava nesse dia e não conseguiu trocar as folgas.
Carlos Borrego e André Alves, toca a marcar o 31 de Março de 2018 na agenda, ok (cada vez mais lixado...)
Quem não quis ler tudo, começa AQUI a história da aventura (no próximo capítulo)

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